Já muito se disse e escreveu acerca
desta iguaria de proveniência um tanto duvidosa, a mais fidedigna será aquela
que atribui a sua origem ao tempo das campanhas dos descobrimentos (séc. XVI).
Pela imperiosa necessidade de carne de bovino e suíno para a alimentação do
pessoal a bordo, ficavam em terra as vísceras (miúdos), com que o povo se
alimentava, com mestria, transformavam-nas em verdadeiros petiscos.
Li algures num qualquer romance que por
alturas da Grande Guerra, Lisboa teria sido abastecida com as sobras, sobretudo
fígados e outras miudezas adjacentes, mais uma vez a história repetia-se, assim,
foram sendo criadas autenticas especialidades do dito, com incidência na
infinidade de tascas e casas de pasto, inicialmente na zona ribeirinha e com o
passar do tempo como prato digno de qualquer casa de família, difundido “pelos
quatro cantos do mundo”, onde houvesse um português.
Depois desta breve dissertação acerca da
origem das Iscas de Fígado, prato que tenho vindo a degustar e simultaneamente
a introduzir certas alterações, de modo a ir ao encontro do meu gosto e paladar,
o qual, confesso, sou um tanto esquisito em relação a certos alimentos e
exigente no apurar dos mesmos, uma delas é o de marinar por ½ hora as iscas em
sumo de limão diluído num pouco de água, de modo a amenizar o forte sabor a
sangue… e foi ao som de Coleman HawkinsSELF TITLED 1960 Stereo Jazz LP FULL ALBUM w/ Thad Jones, que improvisei e confecionei
a minha versão desta iguaria…
Para aventurar-me nesta receita
socorri-me em parte dos conselhos da minha mãe, uma exímia cozinheira e de
outras lembranças e andanças pelas tascas da “velha Lisboa”, degustando este
tradicional manjar.
Passemos então à receita:
Azeite
600g
de fígado
6
Dentes de alho, para a marinada
4
Dentes de alho
1
Folha de louro
1
Cebola grande
2
Colheres de chá de cominhos moídos
½
Chávena de chá de vinagre de vinho
1
Chávena de chá de vinho branco
Sal
e pimenta preta ao gosto
1
Ramo de coentros frescos
Modo de preparar:
Antes de mais pegamos na peça de fígado,
retiramos as peles e fatiamos fino e em tiras. Depois de enxaguar o fígado na
infusão de água com limão, mergulhamos numa marinada previamente preparada com:
6 dentes de alho esmagados com sal e pimenta preta diluída no vinagre
juntamente com o vinho e o louro e deixamos repousar por umas horas.
Numa frigideira larga refogamos o alho
picado e a cebola fatiada fina em meia-lua em azeite até ficar transparente, juntamos
de seguida um pouco de vinagre ao gosto e reservamos. Na mesma frigideira
fritamos e fígado escorrido da marinada, em azeite, mexendo de modo a soltar-se.
Quando estiverem fritas ao gosto retiramos da frigideira e reservamos. Pomos
novamente a frigideira ao lume e adicionamos a marinada de modo a deslaçar os
restos da fritura e deixamos reduzir, de seguida reintroduzimos o fígado e
envolvemos, adicionando um pouco de coentros frescos para dar um pouco de cor e
aroma.
Tradicionalmente acompanha com batatas
cozidas ou com batatas fritas cortadas em redelas grossas ou ainda com arroz
branco solto e a respectiva cebolada, ou simplesmente com pão como de um
petisco se tratasse.
Para os mais atrevidos um bom piripiri
caseiro de preferência.
Boa audição e bom apetite…
Nota: Noutros tempos, antes do fenómeno
das “vacas loucas”, era comum a aquisição de baço conjuntamente com o fígado,
com o único propósito de apurar e engrossar o molho, de ora em diante, para quem
gosta de um molho espesso poderá utilizar farinha no ato da redução da marinada.