domingo, 28 de fevereiro de 2016

ISCAS DE FIGADO

Já muito se disse e escreveu acerca desta iguaria de proveniência um tanto duvidosa, a mais fidedigna será aquela que atribui a sua origem ao tempo das campanhas dos descobrimentos (séc. XVI). Pela imperiosa necessidade de carne de bovino e suíno para a alimentação do pessoal a bordo, ficavam em terra as vísceras (miúdos), com que o povo se alimentava, com mestria, transformavam-nas em verdadeiros petiscos.
Li algures num qualquer romance que por alturas da Grande Guerra, Lisboa teria sido abastecida com as sobras, sobretudo fígados e outras miudezas adjacentes, mais uma vez a história repetia-se, assim, foram sendo criadas autenticas especialidades do dito, com incidência na infinidade de tascas e casas de pasto, inicialmente na zona ribeirinha e com o passar do tempo como prato digno de qualquer casa de família, difundido “pelos quatro cantos do mundo”, onde houvesse um português.
Depois desta breve dissertação acerca da origem das Iscas de Fígado, prato que tenho vindo a degustar e simultaneamente a introduzir certas alterações, de modo a ir ao encontro do meu gosto e paladar, o qual, confesso, sou um tanto esquisito em relação a certos alimentos e exigente no apurar dos mesmos, uma delas é o de marinar por ½ hora as iscas em sumo de limão diluído num pouco de água, de modo a amenizar o forte sabor a sangue… e foi ao som de Coleman HawkinsSELF TITLED 1960 Stereo Jazz LP FULL ALBUM w/ Thad Jones, que improvisei e confecionei a minha versão desta iguaria…   
Para aventurar-me nesta receita socorri-me em parte dos conselhos da minha mãe, uma exímia cozinheira e de outras lembranças e andanças pelas tascas da “velha Lisboa”, degustando este tradicional manjar.
Passemos então à receita:

Azeite
600g de fígado
6 Dentes de alho, para a marinada
4 Dentes de alho
1 Folha de louro
1 Cebola grande
2 Colheres de chá de cominhos moídos
½ Chávena de chá de vinagre de vinho
1 Chávena de chá de vinho branco
Sal e pimenta preta ao gosto
1 Ramo de coentros frescos

Modo de preparar:

Antes de mais pegamos na peça de fígado, retiramos as peles e fatiamos fino e em tiras. Depois de enxaguar o fígado na infusão de água com limão, mergulhamos numa marinada previamente preparada com: 6 dentes de alho esmagados com sal e pimenta preta diluída no vinagre juntamente com o vinho e o louro e deixamos repousar por umas horas.
Numa frigideira larga refogamos o alho picado e a cebola fatiada fina em meia-lua em azeite até ficar transparente, juntamos de seguida um pouco de vinagre ao gosto e reservamos. Na mesma frigideira fritamos e fígado escorrido da marinada, em azeite, mexendo de modo a soltar-se. Quando estiverem fritas ao gosto retiramos da frigideira e reservamos. Pomos novamente a frigideira ao lume e adicionamos a marinada de modo a deslaçar os restos da fritura e deixamos reduzir, de seguida reintroduzimos o fígado e envolvemos, adicionando um pouco de coentros frescos para dar um pouco de cor e aroma.
Tradicionalmente acompanha com batatas cozidas ou com batatas fritas cortadas em redelas grossas ou ainda com arroz branco solto e a respectiva cebolada, ou simplesmente com pão como de um petisco se tratasse.
Para os mais atrevidos um bom piripiri caseiro de preferência.
Boa audição e bom apetite…


Nota: Noutros tempos, antes do fenómeno das “vacas loucas”, era comum a aquisição de baço conjuntamente com o fígado, com o único propósito de apurar e engrossar o molho, de ora em diante, para quem gosta de um molho espesso poderá utilizar farinha no ato da redução da marinada. 


domingo, 21 de fevereiro de 2016

ARROZ MALANDRINHO COM SARDINHA EM LATA

Esta é uma daquelas receitas que me fazem recuar no tempo, pelo menos 30 anos, mais precisamente, ao início dos anos 80, do séc. XX. Frequentador assíduo do Bairro Alto, quase sempre com acordes de jazz como música de fundo, foi lá, que conheci a Paula. É desse tempo, que confecionei para ela, os primórdios da receita do arroz malandrinho com sardinha em lata. Convidei-a para ir jantar lá a casa… e foi um fartote, o “menu” devia ter sido algo mais empolgante, mas afinal só tinha disponíveis umas latas de sardinha, decidi então muito ao estilo do New Orleans Jazz, que ouvia na altura, aventurar-me num improviso e meti-me ao barulho. Comecei por refogar num fio de azeite, a cebola, o alho e o tomate. Deixei apurar juntando o arroz para absorver o refogado. Adicionei a água até cobrir o arroz, temperei com sal e pimenta e deixei cozinhar em lume brando com o tacho tapado, tendo o cuidado de verificar de vez em quando o nível de água, acrescentando-a se necessário. Quando o arroz estava quase cozido desliguei o lume e adicionei as sardinhas juntamente com um punhado de coentros frescos e o sumo de meio limão que tinha apanhado no quintal, sim, a casa onde vivia na altura - Alfama - possuía um limoeiro e um canteiro de ervas de cheiro, e deixei o tacho uns minutos tapado de modo a que, os sabores se fundissem. Servi em pratos de sopa porque estava malandrinho e comemos à colher…Passei a prova e até hoje continuo a tripular a cozinha.
É claro que evoluímos, o mundo evoluiu, e a receita também…
Foi ao som de Hugh Laurie (Dr. House)  -Let Them Talk: A Celebration of New Orleans Blues (all musics) que produzi a atual receita, que tenho o prazer de partilhar convosco.
Lista de ingredientes para quatro pessoas, que passo a enunciar:

Azeite
4 Chávenas de arroz à escolha (carolino ou agulha)
1 Cebola
4 Dentes de alho
2 Tomates maduros
½ Pimento verde ou vermelho
1 Ramo de coentros frescos
2dl de vinho branco
1 Colher de chá de colorau
1 Folha de louro
Sumo de ½ limão
3 ou 4 latas de sardinha
Sal e pimenta preta ao gosto

Modo de preparar:

Num tacho pomos a refogar em fio generoso de azeite, a cebola fatiada em meia-lua e o alho. De seguida adicionamos o tomate e o pimento rusticamente picados com o louro e deixamos tapado em lume brando por uns minutos, juntamos depois o colorau, o sal e a pimenta e o vinho misturando tudo de modo a integrarmos os sabores dos ingredientes. Chegados aqui é hora de juntarmos o arroz, que envolvemos com o refogado, adicionamos 6 a 8 chávenas de água e deixamos cozinhar em lume brando, mexendo de vez em quando para que não pegue ao fundo. Quando o arroz estiver quase cozido juntamos as sardinhas e os coentros rusticamente picados, misturamos cuidadosamente para não quebrar as sardinhas, verificamos que a água está acima do arroz para que fique malandrinho, tiramos do lume e deixamos repousar por uns minutos e servimos.
Boa audição e bom apetite…


Nota: Por norma e tradição a arroz empregue na confeção para esta receita é do tipo “Carolino”, entretanto podemos usar o tipo “Agulha” de confeção muito mais simples.


domingo, 14 de fevereiro de 2016

PASTELÃO DE FRANGO

Com o pretexto da audição do “brutal” álbum (re)Conception de Helen Sung, e quando se sente o improviso à flor da pele, fui impulsionado a confecionar algo a partir de uma “Calzone”, que eu convenientemente denominei de “Pastelão”.
Tendo em conta que existe muita informação nas diversas fontes ao dispor de qualquer um nós, resolvi produzir a minha versão de Pastelão, improvisei o recheio de frango, mas podia ser de outro qualquer, tal a versatilidade, “O céu é o limite”, desde que ultrapassemos o preconceito dos pesos e das medidas, com exceção da massa que tem que ser executada com alguma precisão!
Passemos então à receita para quatro pessoas:

400g de farinha de trigo
Fermento
100g de margarina
Sal q.b. 
Para o recheio:
2 peitos de frango ou equivalente
½ chouriço de carne
8 azeitonas
Azeite
1 cebola média
4 dentes de alho
1 colher de chá de nóz moscada
Massa de tomate
1 ramo de coentros frescos
Ervas de Provença
Pimenta preta
Sal 

Modo de preparar e começando pela massa:
Numa tijela colocamos a farinha, o fermento e o sal conjuntamente com a margarina. Misturamos tudo com as mãos de modo a integramos os ingredientes, de seguida deitamos água aos poucos e amassamos energicamente até a massa se soltar das mãos. Amassamos por mais 10 a 15 minutos e reservamos, abafando-a de modo a que massa levede.
Finda esta parte, é chegada a altura de darmos início à preparação do recheio, com a improvisação como palavra de ordem. Tendo como elemento base a carne de frango, colocamos os peitos do dito numa panela, conjuntamente com o chouriço sem pele, cobrimos com água e pomos ao lume, temperando-a previamente ao gosto com um pouco de pimenta preta e sal. Deixamos cozinhar até carne ficar macia. Retiramos da água conjuntamente com o chouriço, deixando arrefecer e reservando a água. De seguida fatiamos a cebola em meia-lua muito fina, picamos os alhos e as azeitonas e pomos a refogar num fio de azeite numa frigideira, adicionamos o frango previamente desfiado, o chouriço picado fino e a nóz moscada, mexendo sempre de modo a incorporar tudo. Entretanto fazemos uma abertura no centro da mistura e deitamos colher e meia de sopa de farinha de trigo adicionando aos poucos a água da cozedura de modo a ficar um creme, juntamos os coentros frescos rusticamente picados, incorporamos tudo, tiramos do lume e deixamos arrefecer.
 Voltando à massa, amassamo-la um pouco mais e dividimo-la em quatro porções, fazendo quatro círculos, com auxílio de um rolo ou com as mãos, com aproximadamente 15 cm de diâmetro. Com uma colher espalhamos a massa de tomate em cada círculo, polvilhamos com as ervas de Provença, colocamos o recheio e dobramos o círculo de modo a obtermos uma meia-lua. Selamos o rebordo calcando a massa com auxílio de um garfo.
Coloca-se os pastelões num tabuleiro previamente untado com manteiga e vai ao forno previamente aquecido a 200º até ficar com um aspecto dourado.    
Acompanha com salada temperada ao gosto.

Boa audição e bom apetite…


domingo, 7 de fevereiro de 2016

BACALHAU À CONDE DA GUARDA

É frequente ouvirmos dizer que “não gosto deste ou daquele prato”, e geralmente o motivo prende-se com a utilização deste ou daquele ingrediente, ou porque não nos é simpático ou agradável no cheiro ou no paladar, etc.
Com base nesta premissa, ou comemos sempre a mesma coisa ou arregaçamos as mangas e damos largas à nossa imaginação, substituindo ou acrescentando os ingredientes do nosso gosto, fazendo o tal improviso que tanto prezo.
Para acompanhar este Bacalhau à Conde da Guarda, partilho convosco o tema: “Foi Deus” do álbum "Amália por Júlio Resende". 
Não sendo um especial apreciador do tradicional bacalhau com natas, foi por um feliz acaso que ao pesquisar receitas alternativas descobri este modo de confecionar. Numa perspectiva de improviso e sem fugir ao contexto das “1001 maneiras de confecionar bacalhau”, produzi uma mistura semelhante à da confeção do pastel de bacalhau.
De seguida apresento a lista de ingredientes para quatro pessoas:

300g de batatas
300g de bacalhau demolhado
2 cebolas médias
4 dentes de alho
8 azeitonas sem caroço
200ml de natas
1 ovo
3 colheres de sopa de azeite
1 colher de sopa de salsa picada
1 colher de chá de noz moscada
Sal e pimenta preta ao gosto

Modo de preparação:
Numa panela grande cozemos o bacalhau até se soltarem as lascas. Reservamos o bacalhau e na mesma água cozemos as batatas, entretanto picamos as cebolas, o alho e as azeitonas muito finas. Bate-se a clara do ovo em castelo, adicionamos as natas batidas à parte, envolvendo a clara e reserva-se a mistura, entretanto, numa caçarola refogamos o alho e a cebola no azeite até ganhar cor e adiciona-se o bacalhau já limpo de peles e espinhas com a azeitona e a salsa picadas, em lume brando, mexendo sempre de modo a incorporar todos os elementos até ficarem com um aspeto cremoso, desligamos o lume e juntamos gradualmente a batata previamente esmagada com a nata, envolvendo tudo de modo a obtermos uma mistura uniforme.
Finalmente colocamos num tabuleiro previamente untado com manteiga ou outro tipo de gordura, finalizamos barrando com um pincel a cobertura com a gema do ovo diluída num pouco de leite e vai ao forno a 200° até ficar dourado e serve-se acompanhado com salada.

Nota: Habitualmente as receitas de Bacalhau à Conde da Guarda, levam uma cobertura de queijo Parmesão ralado, mas, eu prefiro cobrir o preparado antes de ir ao forno, com umas pinceladas de gema de ovo. São gostos…