terça-feira, 28 de abril de 2015

CAMARÃO MELADO

Era este o método utilizado para a conserva do camarão, de outros mariscos e bivalves nos meados do séc. XlX até aos inícios do séc. XX, trazido pelos pescadores e outros habitantes das zonas do litoral de Goa (India Portuguesa), aquando da sua migração para a então colónia de Moçambique. O meu contacto com os descendentes dessas populações remonta da minha infância, com as ex-colegas da minha mãe da escola da Munhuana em Lourenço Marques atual Maputo, proporcionando-me a degustação de determinados sabores, tendo em conta o facto de me sentir atraído pelos paladares e odores das especiarias exóticas e sobretudo pela sua confeção, dentro do que se pode entender de culinária Moçambicana ou de fusão.
Depois deste breve e saudável devaneio eis-me de volta ao camarão, afinal a nossa estrela de eleição.
Para 1,500 g de camarão com casca cal.30/40, necessitamos uma vez mais das nossas especiarias:

2 colheres sopa de Coentros moídos.
1 colher de sopa de Cominhos moídos.
1 colher de sopa de Colorau.
1 colher de chá de Açafrão das Índias.
Sal e Pimenta q.b.

Começamos por amanhar o camarão, que consiste em cortar a cabeça acima dos olhos, tirar a casca e reservar a ultima secção em conjunto com o rabo. Com
uma faca de cozinha, faz-se uma incisão nas costas retirando-se a “tripa” e o saco (estômago) na cabeça, colocando-se depois numa tigela temperando com sal e sumo de limão, deixando-os a marinar. De volta ao tacho, picam-se 3 cebolas grandes e 3 alhos e de seguida refoga-se em 4 a 6 colheres de sopa de óleo até ficar com um aspeto caramelizado, adicionando-se 6 tomates e 4 colheres de sopa de açúcar mascavado, deixando apurar no mínimo 30 minutos ou mais, até ficar com um aspeto de melaço. Neste intervalo adiciona-se aos condimentos secos, 6 colheres de sopa de vinagre (eu prefiro o de arroz) de modo a ficar uma pasta e junta-se ao refogado, mexendo sempre para que fique tudo integrado e de seguida adiciona-se ½ litro de água e apura acrescentando água de vez em quando. Ao fim de mais ou menos 2 horas, junta-se o camarão e deixa-se cozinhar por mais 30 minutos, retirando-se de seguida do lume.
Em regra, depois de frio este molho juntamente com os camarões, eram acondicionados em grandes frascos, conforme a quantidade de marisco adquirido, selados com óleo alimentar e depois cuidadosamente tapados e guardados num local escuro e fresco, como de uma conserva caseira se tratasse, colmatando a falta de frigoríficos.
Este tipo de alimento era servido sobre arroz branco ou de coco quente normalmente em situações de emergência.

Boas culinárias e bom apetite!

sábado, 25 de abril de 2015

CHACUTÍ

Falar deste prato e da sua confeção, traz-me recordações de sabores e odores da minha infância, sobretudo, da Praceta ou “Vila” onde nasci na, então, Lourenço Marques, lá para os lados da “Central”, habitada sobretudo por famílias oriundas de Goa, o que fez com que me sinta sensibilizado relativamente aos paladares de comidas e petiscos, o que para a maioria das pessoas é algo exótico e picante.
A principal característica do Chacuti é ser bastante aromático, devido ao facto dos principais condimentos serem previamente torrados, dando um aspeto de creme castanho, fazendo lembrar aqui as palavras de um amigo há uns quantos anos passados, acerca do dito Chacuti “…era como se estivesse a comer simultaneamente o prato e a sobremesa…” relacionando o aroma do coco torrado aos bolos de coco…
Começamos então com a preparação dos condimentos, da nossa lista:

2 colheres de sopa de Coentros em grão
1 colher de sopa de Cominhos em grão

Torra-se a mistura numa frigideira, até ficarem castanhos, ao gosto (cor de canela) e reserva-se.
Relativamente à carne, o tradicional é utilizar cabrito ou borrego e no meu caso galinha do campo???, por esta, ter uma carne mais rija e suportar mais horas de fervura ou então pode-se utilizar um truque, que é, salgar previamente um frango durante umas horas para que a carne se torne mais rija, mas não  devemos esquecer de antes de a utilizar, colocar em água a fim de retirar o sal em excesso (semelhante à demolha do bacalhau). O frango ou a carne deverão ser cortados em pedaços pequenos e reservados. Refogam-se 2 cebolas médias e uns quantos dentes de alho, em 2 colheres de sopa de óleo numa panela até que a cebola fique caramelizada. De seguida juntam-se os Coentros e os Cominhos que foram previamente torrados e moídos muito fino, e uma colher de chá de Pimenta Preta em grão, com uma chávena de água, deixando apurar, retificando a quantidade de água durante meia hora. Entretanto na frigideira onde torrámos os condimentos torram-se 2 chávenas de coco ralado ao gosto, ou quando ficarem da cor da canela, e de seguida moem-se no moinho de café ou na pedra de modo a ficar uma pasta, juntando-se aproximadamente 1 litro de leite quente, desfazendo o coco.
De volta ao refogado já com o tempero apurado, junta-se a carne envolvendo com o tempero e deixando-o cozinhar aproximadamente 1 hora ou mais, conforme a carne, adicionando o creme de coco diluído no leite e deixando a mistura ferver até apurar, ou seja, 2 a 3 horas em lume brando.
Mais uma vez recordo que o chacuti à semelhança dos outros caris, deverão ser feitos preferencialmente de véspera, ou com umas horas de antecedência em relação à hora da refeição, para que os condimentos apurem, devendo, no entanto, ser aquecidos 1 hora antes de serem servidos.
Poderá acompanhar com arroz branco de coco ou simplesmente com pão e para os mais atrevidos, os respetivos Achares e Chatnis ao gosto.
Nota: Para os mais puristas e seguidores de outras receitas, recordo que estamos a confecionar pratos de fusão originários da antiga Índia Portuguesa miscigenados sem preconceitos pela multiétnica população de Moçambique e que na situação desta receita, tivesse tomado a liberdade de seletivamente ter eliminado uma serie de condimentos deixando apenas os dois mais ativos, que quanto a mim e por serem torrados (como manda a tradição) sobrepõem-se a todos os outros.
É o meu jazz…! E se assim não fosse não estaríamos a falar de culinária de improviso e fusão.

Boas culinárias e bom apetite…

quarta-feira, 22 de abril de 2015

PEIXE RECHEADO

Na sequência da receita do caril de peixe, vou agora descrever como se confeciona o peixe recheado: em primeiro lugar, a escolha do peixe é importante, sendo que a qualidade, a espécie e o tamanho fazem toda a diferença.
Em princípio, os peixes bons para trabalhar esta receita, poderão ser o carapau médio, o besugo e outros peixes de prato, com um peso médio aproximado de 200 g, são os mais  adequados para fritar.
Antes de avançarmos para o peixe, preparemos o recheio, para isso será necessária a utilização de algumas das especiarias já citadas em lista, como por exemplo, para 4 peixes, colocar numa malga:

Ingredientes:

1 colher e ½ de sopa de Coentros moídos,
1 colher de sopa rasa de Cominhos moídos,
1 colher de sopa de Colorau,
1 colher de chá de Açafrão das Índias,
2 ou 3 grãos de Cardamomo,
½ colher de chá de Pimenta preta,
3 ou 4 dentes de Alho,
1 colher de sopa de Vinagre e Sal q.b.

Modo de preparação:

Coloca-se o Alho no pilão ou na pedra com o sal e esmaga-se adicionando-se gradualmente as especiarias, obtendo-se então uma pasta conjuntamente com o vinagre que se vai adicionando e reserva-se.
De volta ao peixe já devidamente amanhado, seca-se o interior da barriga e enche-se com a pasta e repete-se em todos. 
Para fechar a barriga ou se cose com agulha e linha ou no ato de panar o peixe com farinha de trigo, cola-se a borda utilizando a farinha, método que não oferece garantia total. De seguida frita-se o peixe e segue-se o procedimento da receita anterior do caril de peixe.

terça-feira, 21 de abril de 2015

CARIL DE PEIXE

Hoje vou apresentar-vos a receita do caril de peixe. Relativamente a esta iguaria, tenho a salientar que em termos de preferências, este caril aparece em segundo lugar, logo a seguir ao famoso caril de caranguejo. Este prato foi trazido para Moçambique pela comunidade goesa e aqui adaptado ao paladar local, assim, enquanto para a confeção do caril goês, se utilizava o peixe cru, a versão moçambicana processa-se com peixe previamente frito.
A única receita que conheço de caril goês com peixe frito, é quando se faz peixe recheado…
Para confecionar o caril de peixe segue-se o modo de preparação do molho do caril já descrito na receita anterior, e reserva-se, de seguida frita-se o peixe da nossa preferência, ás postas ou inteiro conforme o tamanho, e devidamente panado em farinha de trigo para que forme crosta. Também se pode borrifar o peixe depois de frito com limão e deixar descansar de um dia para o outro. 
Uma hora antes de servir, aquecer o molho de caril em lume brando para apurar e 10 minutos antes de servir coloque o peixe no molho e desligue o lume, deixando que o peixe absorva o molho e os sabores. Serve-se com arroz branco solto ou de coco, estabelecendo-se uma excelente combinação.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

O ARROZ

Segundo reza a história, o arroz (Oryza Sativa) teve origem na antiga China à mais de 7 mil anos e vem sendo cultivado com regularidade, de acordo com registos escritos, desde, por volta de 2800 a.C. nas margens do rio Yangtzé, constituindo desde então, uma das principais fontes de alimentação em todo o mundo. Na India, o cultivo do arroz terá tido início dentro do mesmo período temporal no fértil delta do rio Ganges, proporcionando-lhes a base da sua alimentação, desde o simples arroz branco à farinha de arroz com que se confeciona uma série de iguarias tanto salgadas como doces.
No nosso caso existem várias maneiras de acompanhar o caril. O modo mais tradicional é sem dúvida o arroz do tipo “Basmati”, branco e solto, prepara-se, cozendo uma chávena de chá de arroz em bastante água e sal. Depois de cozido côa-se, de seguida secamo-lo em lume brando ou simplesmente no micro-ondas, em alternativa, o arroz de coco que só por si já é algo fora do comum e que passo a descrever:

ARROZ DE COCO

Em primeiro lugar, debruçamo-nos na preparação do “leite” de coco que tradicionalmente se obtém através da demolha do coco ralado, fresco ou seco em água a ferver durante vários minutos e onde depois é moído o mais fino possível na pedra ou num qualquer tipo de auxiliar de cozinha (varinha magica ou liquidificador, etc.), de seguida é passado por um coador fino de modo a obtermos um quase creme de leite de coco.
O modo mais rápido e prático está na utilização destes produtos já processados e enlatados que podem ser obtidos em qualquer casa da especialidade.
Numa panela larga previamente aquecida, adicionam-se 3 a 4 colheres de sopa de leite de coco e 4 chávenas de arroz. Envolve-se o arroz no leite e de seguida despeja-se a água que no caso será de duas medidas de água por uma de arroz (utilizar a lata como medida).
Se for feito pelo processo tradicional a medida é de uma chávena de arroz para duas de água ou de outro líquido qualquer. Depois de levantar a fervura, tempere com sal a gosto e cubra com uma tampa, baixe o lume e deixe cozinhar em lume brando durante aproximadamente 15 minutos.

domingo, 19 de abril de 2015

3 – CARIL À MOÇAMBICANA

U
ma breve explicação acerca da existência desta iguaria, naturalmente atribuída à Índia em geral, o que não deixa de ser verdade, com a excepção do caril que é confeccionado em Moçambique e que tendo sofrido uma série de mutações e adaptações tanto na introdução como na exclusão de alguns ingredientes, devido ao facto de ter sido influenciado directamente pela cultura Goesa (Indo-Portuguesa) quando a costa de Moçambique servia de entreposto e rota das especiarias e ter no decorrer dos séculos, influências, directa ou indirectamente no apuramento dos sabores, adaptando com sabedoria muitas vezes empírica,  misturando  paladares de origens diversas, tais como,  europeias, chinesas, árabes, indianas, malaias e africanas, com as especiarias do Oriente.
É assim que nasce o conhecido “Caril à Moçambicana” tão ao gosto dos Portugueses oriundos de Moçambique, no meu caso em particular, o que foi passado pela minha mãe e a ela, de familiares e amigos.
O chamado “Caril” é uma mistura de condimentos e especiarias conforme as zonas geográficas e familiares; não confundir com o pó de caril de cor amarelada à venda nas lojas. Esse é o caril instantâneo (curry) inventado pelos Ingleses aquando da sua ocupação da Índia, desde os finais do séc. XVIII até meados do séc. XX. Voltando ao “nosso” caril ou seja aos ingredientes, passo de seguida a enumera-los pela sequência que me foi transmitida. Normalmente adquiro-os nas lojas da especialidade, preferencialmente em grão ou em semente para que possamos aquecê-las rapidamente, avivando os seus óleos e aromas, moendo-as na hora da confecção do molho base do caril. (Sem querer ferir quaisquer suscetibilidades, porventura existirão outros condimentos a acrescentar a esta lista para aprimorar o molho base do caril.)

INGREDIENTES (especiarias da minha cozinha)

Sementes de coentro (grão)
Sementes de cominhos (grão)
Açafrão das Índias (pó)
Colorau ou pimentão-doce
Cardamomo
Anis estrelado
Gengibre fresco ou em pó
Pimenta preta em grão
Noz-moscada
Piripiri
Cravinho
Pau de canela
Coco ralado
Leite de coco
Amendoim
Farinha de grão

MODO DE PREPARAÇÃO

Começamos com um refogado que é o processo base da denominada dieta mediterrânica que os portugueses e os espanhóis, difundiram pelo mundo durante o processo de colonização. Para a sua confeção utiliza-se cebola picada ou às rodelas, sendo frígida em azeite ou em outra gordura até ficar com um tom âmbar, juntando-se em seguida o tomate, fresco ou em conserva, sempre em lume brando de modo a obter um molho uniforme. Dependendo do tipo de prato a criar poder-se-á adicionar louro ou outro género de ervas aromáticas. É normalmente assim que começam os guisados, tendo sido adaptado também como base em alguns pratos exóticos como o caril.

 Para o refogado necessitamos de:

 2 Cebolas picadas.
2 ou 3 dentes de alho esmagados ou picados.
2 ou 3 Tomates ou 1 chávena de chá de massa de tomate.
3 Colheres de sopa de óleo de amendoim ou outro. (nunca azeite, sem querer ferir quaisquer suscetibilidades, visto que o azeite per si tem propriedades de condimento e iria ou seria ofuscado pelos odores e sabores das especiarias mais exóticas)
Depois da cebola ficar dourada junta-se 1 chávena de chá de tomate e deixa-se apurar em lume brando.

 Para a mistura dos condimentos procede-se da seguinte forma:

2 colheres de sopa de coentros moídos.
1 colher de sopa de cominhos moídos.
1 colher de sopa de colorau.
1colher de chá de açafrão das Índias.
4 a 6 grãos de pimenta preta.

Misturam-se os condimentos numa tigela com um pouco de água morna e umas gotas de vinagre até se transformar numa pasta e junte ao refogado, adicionando a mesma quantidade de água da tigela, 1 colher de chá de sal grosso e deixa-se apurar durante 30 min. em lume brando, mexendo de vez em quando. Findo esse tempo junta-se o conteúdo de duas latas de leite de coco mexendo sempre até levantar fervura e de seguida junta-se a galinha ou o marisco (camarão, caranguejo ou outro), deixando ferver o tempo necessário para que a carne ou o marisco fique cozido, desligando o lume e deixando o caril em repouso para que o leite de coco ligue com os condimentos e não coalhe. A aproximadamente uma hora antes de servir coloca-se novamente a panela com o caril ao lume mexendo sempre até levantar fervura deixando ferver em lume brando, rectificando o sal, mexendo de vez em quando até à hora de servir. Depois de tirar a panela do lume espreme-se meio limão por cima do caril mexendo e de seguida serve-se de preferência com um arroz de coco mas isso fica para a próxima história.
Na Índia, os condimentos são colocados em primeiro lugar a frigir no óleo normalmente de coco e de seguida vem a cebola, alho e depois o tomate se for caso disso, processando o resto da forma anterior. A explicação para este modo é simples; Após a chegada dos portugueses, o refogado na sua forma original foi sendo assimilada de forma gradual, com a particularidade de quem quer dominar tenta que o seu modo de estar esteja em primeiro lugar e no fundo foi o que viria a acontecer no que diz respeito à introdução de uma série de vegetais, tais como o tomate e os pimentos e o piripiri, influenciando desta forma, no decorrer dos séculos a cultura culinária indo portuguesa.

sábado, 18 de abril de 2015

Com um misto de picante, adocicado um aroma distinto e misterioso, a Canela (Cinnamomum zeylanicum), originária do Ceilão, hoje Sri Lanka geograficamente situado a sul do subcontinente indiano, tendo sido difundida no ocidente através da rota da seda a par da pimenta, mencionada desde tempos imemoriais, com registos no antigo testamento. Foi utilizada no antigo Egipto, para além de condimento, mas também como elemento indispensável em rituais funerários e de embalsamamento, tornando-se por esse facto uma especiaria com bastante procura, tornando-a extremamente cara. Nessa época na China, a canela, conhecida por cássia. No campo da culinária e doçaria, simples ou conjuntamente com outras especiarias tornou-se indispensável em qualquer cozinha dos nossos dias.
Outra especiaria originária da China é o Anis estrelado (Illicium verum), é uma especiaria que quando usada em conjunto com outras, obtêm-se temperos que favorecem o degustar de uma série de pratos que só por si seriam insípidos, acentuando-lhes certos paladares pouco relevantes. Faz parte da mistura chinesa que tradicionalmente é composta por cinco elementos: anis estrelado, erva-doce (sementes de funcho), canela, cravinho e pimenta preta, indispensável para acentuar os sabores da carne fundamentalmente do porco.
Para fechar com chave de ouro esta já longa lista de algumas das principais especiarias apresento o Gengibre (Zingiber officinale), é um rizoma originário de Java, Índia e China. Foi introduzido na Europa por mercadores árabes na sequência da rota da seda. Muito usado na idade média, principalmente, na terapêutica de algumas enfermidades do foro respiratório, produzindo-se a partir dele, xaropes e tisanas para o tratamento de constipações ou para a melhoria da voz dos cantores e outros oradores que da voz faziam vida. Na gastronomia, com um sabor ligeiramente picante é naturalmente usado tanto em pratos doces como salgados. É sobejamente utilizado na
confecção de um grande número de pratos da culinária chinesa e indiana. Tem a particularidade de se poder utilizar fresco, em pó ou cristalizado, este ultimo preferencialmente em pastelaria e doçaria.
 Para um bom desempenho na confecção das receitas que irei apresentar, existe um local onde é possível adquirir toda esta panóplia de especiarias. Este local fica situado em Lisboa, no Martim Moniz, mais especificamente no Centro Comercial da Mouraria. Este Centro reúne um conjunto de lojas cujos donos têm as mais diversas origens, destacando-se as de origem chinesa, indiana, paquistanesa e africana e outras. Nestas lojas podemos encontrar um universo de produtos originais, como se nos deparássemos com um mercado do tempo da rota da seda. Depois deste pequeno roteiro pelo universo das especiarias, é chegado o momento de apresentar as tais receitas que ao longo dos tempos fui retendo na memória, replicando-as sempre que possível, não descurando a liberdade de proceder a algumas ligeiras alterações quanto á confecção e mistura de condimentos, com o cuidado de não desvirtuar a base das mesmas, adaptando-as á nossa realidade geográfica e cultural.
Começamos com o que denominei de “Caril à Moçambicana” devido à sua forma inicial da fusão culinária multi cultural de Moçambique nos meados do séc. XlX e inícios do séc. XX.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Como estrela maior na constelação das especiarias, está a incontestável Pimenta-preta  (Piper nigrum), sendo a piperina o alcalóide responsável pela sensação picante da pimenta-preta, originária do subcontinente indiano, introduzida na bacia mediterrânica nos meados do ultimo milénio a.C. por via dos mercadores da rota da seda, e tendo como principal entreposto o porto de Alexandria, utilizando a rede comercial fenícia, foi difundida e distribuída por todo império Romano. Devido à diminuta quantidade de pimenta que chegava aos mercados por força das elevadas quantias pagas (em género) no transpor das inúmeras fronteiras, desde a Índia ao porto de Alexandria, o seu valor aumentava exponencialmente, atingindo cotações semelhantes ás do ouro por alturas do séc. V a.C., fazendo com que alguns governantes da bacia mediterrânica tentassem encontrar formas mais seguras e eficazes de sanar essa problema. Tomando como exemplo o faraó Neco ll, que em 610 a.C., segundo Heródoto geógrafo e historiador grego do séc. V a.C. , teria patrocinado com êxito uma expedição fenícia, que realizou o Périplo ou seja a circunavegação de África, após fracassar na tentativa de construir um canal que unisse o mar Vermelho com o Mediterrâneo, canal esse, que viria a ser construído com êxito 24 séculos depois. Este feito, o Périplo, viria a ser realizado e confirmado uns tantos séculos mais tarde, por Vasco da Gama em 1498, aquando da descoberta do caminho marítimo para a India, tornando a coroa Portuguesa (Lisboa) no maior entreposto de especiarias de então e destronando os seus mais diretos rivais, Génova e Veneza, términus por excelência da famosa rota da seda. Assim sendo, ficamos a saber que a importância dada às especiarias não era mais que a raridade das mesmas, não que não pudessem ser replicadas com a mesma quantidade e qualidade em outras paragens e outras latitudes, algo que viria a ser tentado séculos mais tarde por outros aventureiros, por sinal com bastante êxito para os seus países, descentralizando esses centros de produção para paragens mais próximas, nas suas colónias tanto em África, como na América do Sul ou Central, beneficiando do clima e posicionamento geográfico, demonstrando assim o peso politico, estratégico e económico das especiarias, fundamentalmente a pimenta.
A par da pimenta e igualmente oriundo de paragens do sudoeste asiático, nativa das ilhas Molucas, na Indonésia, o Cravo-da-índia  (Syzygium aromaticum), vulgarmente conhecido na culinária por “Cravinho” é na verdade um botão de flor seco, uma especiaria utilizada como condimento, para fins medicinais e cosméticos desde tempos imemoriais, detentor de um sabor e aroma agradáveis fora do comum, daí ser utilizado na culinária de todo o mundo com o intuito de tornar os alimentos mais apetitosos.
Na mesma latitude encontramos a Noz-moscada (Myristica fragans), também ela transportada e comercializada por mercadores árabes na república Veneziana e no porto de Génova, distribuída pela Europa a preços exorbitantes até 1512, ano em que Afonso de Albuquerque conquistou Malaca, passando o monopólio da noz-moscada para o domínio português até meados do séc. XlX, quando esta e outras especiarias foram disseminadas e cultivadas pelos impérios concorrentes na época (Britânico e Holandês), nas costas oriental e ocidental de África e Caraíbas, tornando-as acessíveis no mercado liberalizado, tornando-se vulgar em qualquer cozinha de quase todas as classes sociais.
Voltando às qualidades e benefícios da noz-moscada, devido ao seu odor e sabor algo intensos, é normalmente utilizada para temperar determinados alimentos, tornando-os mais apetitosos, devendo ser usada em quantidades reduzidas, de preferência moída no momento, permitindo alguma subtileza em certos pratos de carne e servindo também para aromatizar alguma doçaria tradicional.
2 – AS ESPECIARIAS

C
omeço assim, com as sementes do Coentro (Coriandrum sativum), de origem incerta, com fortes probabilidades na zona da bacia Mediterrânica e já utilizada no antigo Egipto, como elemento nos ritos funerários, expandindo-se para a Ásia através da rota da seda e sobejamente utilizada na Índia como um dos elementos fundamentais na confecção dos molhos de caril. As suas folhas verdes também são utilizadas para aromatizar e colorir certos pratos, com alguma predominância para certos caldos tanto de peixe como de carne.
As sementes de Cominho  (Cuminum cyminum), sendo utilizado tanto pelas civilizações celtas, como em toda a bacia mediterrânica, na confecção de poções e outras beberagens como também, em conjugação com outras especiarias, com o objectivo de tornar os alimentos mais saborosos.
Fazendo uma observação mais criteriosa, podemos concluir que devido à sua origem (mediterrânica), terá sido introduzida na Ásia no decorrer do percurso inverso na rota da seda, retornando à Europa séculos mais tarde pela rota das especiarias aquando da descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama, como um produto hábilmente misturado com algumas variedades das especiarias locais, proporcionando-nos alguns temperos indispensáveis para um cardápio exótico.
Uma outra especiaria não menos importante é o Colorau ou Paprica, também conhecida por pimentão-doce, processada através da secagem do pimento maduro (Capsicum annuum) seco e de seguida moído até se obter um pó extremamente fino de um vermelho vivo, de cheiro e paladar intensos, com varias graduações desde o doce ao picante, com o intuito de não só, proporcionar uma coloração avermelhada, como um sabor e um odor sublimes. Originária da zona central do México, introduzida na Europa após o século XVl, e levada pelos portugueses para a Índia,  difundida e cultivada por todo o Oriente, adquirindo características próprias da região, e tornando-se um dos elementos fundamentais para a coloração e confecção do caril.
O Açafrão-da-India (Curcuma longa) é uma das especiarias originárias do sudoeste asiático, em conjunto com o colorau, responsável pela cor dourada do caril. Uma das principais funções na culinária é a de corante, sendo responsável pela coloração da mostarda, algumas bebidas e determinados molhos e cremes.
O Cardamomo (Zingiberáceas Elettaria) ou cardamomo verde originário da Índia, pode ser usado como condimento tanto em peixe como na carne e sobretudo na confecção de sobremesas, devendo utilizar-se com moderação devido ao seu sabor e odor extremamente fortes.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

A presença portuguesa no que toca a culinária, desde meados do séc. XV tem vindo sistematicamente a influenciar e a ser influenciada sobretudo pela cozinha popular como por exemplo na carne de porco em vinho e alho, denominada localmente por vindalo ou vindalho, elaborada com uma mistura de temperos conhecida por amtan mirem, constituída por piripiri moído com os alhos, coentros, cominhos, açafrão das índias, tamarindo e vinagre. Para além da fusão nos pratos de carne produziu-se uma série de outros pratos com vegetais entre eles o repolho, a beringela, o quiabo e outros tantos legumes vindos de retorno pela rota das especiarias, estes legumes foram rapidamente assimilados e adoptados às receitas locais proporcionando fusões de pratos mais leves e refinados à já ancestral culinária indiana com os caris e outras receitas que irei detalhar mais adiante. 
Antes de dar inicio ao descritivo das receitas propriamente ditas, irei com todo o respeito que merecem, apresentar resumidamente alguns dos principais condimentos que fizeram parte da rota das especiarias, estrelas fundamentais desta narrativa, que desde tempos imemoriais foram motivo de guerras, invasões e outras atrocidades, por algo que só tinha uma finalidade, a de condimentar os alimentos, consequentemente dando-lhes novos odores, paladares e numa segunda instância na sua conservação, já que até então, somente o sal e o fumo dos braseiros das cozinhas os conservavam, com vista a torna-los mais apetitosos e especiais. 
Depois desta breve introdução, irei de seguida apresentar uma série de especialidades culinárias viajando pelas diversas culturas e algumas etnias no panorama gastronómico de Moçambique, um país rico em culinárias, tanto tradicionais como de fusão. Quanto a mim, a fusão explora com mestria a arte de combinar determinadas culinárias com influências europeias, árabes, goesas, chinesas com a cozinha africana, sobretudo da extensa faixa litoral onde predomina ainda hoje uma enorme variedade de povos oriundos dos quatro cantos do mundo. 
Apesar de toda oferta gastronómica acima mencionada, tenho de destacar um género culinário em particular, o denominado caril indo-português (originário sobretudo de Goa), que fez e faz despertar todo o meu interesse relacionado com esta arte no ponto de vista da sua preparação e confecção, tal como na sua degustação, com todas as variedades de caris e toda uma panóplia de sabores e odores dos condimentos e especiarias sabiamente misturados. Segundo reza a história, a culinária indo-portuguesa teve o seu início logo após a chegada dos primeiros portugueses à costa da Índia, introduzindo na cozinha indiana uma série de produtos que até então eram desconhecidos por serem tabu nos usos e costumes locais, mas, quando misturados com os temperos e especiarias, proporcionaram-lhes odores e sabores à simples cozinha portuguesa fundamentalmente dominada pelos cozidos, grelhados, salgados e fumados, dando origem a alguns pratos emblemáticos do panorama gastronómico indo-português, os quais perduram até aos nossos dias, com a introdução das carnes de vaca e porco e uma variedade de vegetais e legumes e as famosas malaguetas picantes nos finais do séc. XVII, tornando este, sinónimo de comida indiana. 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

As receitas da minha mãe
e outras gastronomias exóticas
com história, na rota das especiarias.

1 – INTRODUÇÃO 
                          
Dei início a esta aventura com o intuito de perpetuar o legado do receituário culinário da minha mãe, o qual, foi-nos transmitido oralmente, pelo processo de observação e por vezes por um ou outro apontamento escrito.
Para que tudo isto pudesse acontecer, juntei algumas características pessoais, por exemplo, a curiosidade, a boa memória e a prática diária na confeção de todas as receitas que apresento neste memorial em homenagem à minha mãe Alice Afó d’Aboim Pinto.
Ao debruçar-me sobre este tema, vêm-me à memória certos momentos de infância e juventude, tal como, ao domingo depois de uma manhã na praia da Polana (Mira-Mar) ao chegar a casa, era envolvido pelos odores de um inconfundível caril de caranguejo do mangal da Costa do Sol, ou em alternativa, outro caril que poderia ser de camarão, galinha ou peixe…mas domingo, segundo o meu pai, só o era com um soberbo “Caril de Caranguejo”.